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Vargas Llosa em "A Pequenez do Presidente", um livro que ninguém leu.

 


Em homenagem póstumas ao escritor Mario Vargas Llosa, um dos meus inspiradores, resgato aqui A Pequenez do Presidente, publicada (2006) em meu Crônico - a origem do gênero Crônica, uma resenha de um livro que Llosa teria publicado, que eu registrei em crônica, inspirada em Conversa na Catedral:

A Pequenez do Presidente

 

Em Conversa na Catedral, de Mario Vargas Llosa, há diálogos de uma prostituta com um político. Prostitutas são um elemento recorrente na obra do escritor peruano. E, como retratou tão bem o episódio histórico de Canudos em “A Guerra do Fim do Mundo”, fiz a seguinte resenha, de um livro hipotético do mestre Llosa, “A Pequenez do Presidente”, recorte da nossa crise política atual (era 2005, mas poderia ter sido em décadas anteriores, ou vinte anos adiante): 


A chamada comercial de mais este golpe de Vargas é instigante. Um jornalista e o concierge de um hotel do Distrito Federal trocam confidências sobre o que ouvem de suas mulheres. Uma é cafetina e a outra a sua mais requisitada prostituta. As conversas se dão no Píer, restaurante da cidade, às margens do Lago Paranoá, e revelam segredos do alto escalão do governo brasileiro.


Mesmo o leitor mais desatento irá devorar a narrativa até a última letra, indiferente à alternância atemporal de fatos, típica de Mario Vargas, que se costuram uns aos outros até a última linha. Motivação? O jornalista vive com a cafetina Jane, bem mais velha e arrogante mas que lhe financia o uísque importado, carro novo e roupas finas. Esse jornalista tem o hábito de publicar biografia de políticos em ascenção ou escritores candidatos a Prêmio Nobel, e publica mesmo, ainda que não se possa acreditar em tudo o que ele escreva… A passividade do jornalista só não é irritante porque ele sabe muito, e conta tudo para o amigo concierge. Este, por sua vez, descrito como um “monge afeminado”, acaba por salpicar o livro de um despertar da libido selvagem só comparado aos “Sete Minutos” de Irving Wallace, se é que livros podem despertar a libido. O concierge vive com a mais bela prostituta de Jane, Karina. 


Repetindo o início de “Conversa na Catedral”, quando Santiago pergunta a si mesmo “Aonde foi que o Peru se fodeu?”, Llosa faz a mesma indagação para o Brasil, através de Pedro. Aliás, Santiago também era jornalista. Em A Pequenez do Presidente Llosa põe na boca de Santiago a frase do início: “Puta que pariu, aonde foi dar o Brasil.”


Confundida com HTTP páginas não encontrada, as 404 páginas de “A Pequenez do Presidente” não encontram paralelo em lugar algum. São uma verdadeira catarse literária, quase em desespero, e por isso provocante, pois, de toda a sua obra pseudo-auto-biográfica, é aqui que o peruano parece contar toda a verdade sobre o que viu e ouviu das paredes do poder na América Latina. Ex-candidato a presidente do Peru, escreve com conhecimento de causa. Apologista do ultra-liberalismo, em voga numa época que colocou de uma só vez Menem e Collor, e contemporâneo de aberrações combinatórias tais como Dilma e Barack na mesma vídeo-conferência, perdera as eleições para o futuro corrupto e golpista Fujimoro, que vencera-lhe nas urnas com um discurso de esquerda para logo em seguida trocar de casaca, diametralmente. Em “A Pequenez do Presidente”, Llosa joga de chofre essa cartada e sai explicando por que, afinal, o Brasil terminou como o Peru.


Formado em filosofia e literatura e nascido na alta burguesia, Llosa sabe como ninguém como as coisas acontecem em grande estilo, na corte, no jet set e no YouTube. Mas falta-lhe estofo do corriqueiro, não sentiu o cheiro do berço da malandragem e das ruas, especialmente do Brasil, e busca socorro na ficção dos dois personagens centrais. 


Ao contrário do que possa parecer, também não entende muito do que habita nos recônditos ventres maltratados das consciências e memórias das pobres e maltratadas prostitutas, ninguém de fato sabe, por isso inventa tudo. Mas inventa bem, e entretém o leitor menos acanhado quando esmera-se na descrição das “coxas fornidas de Karina”, chegando ao exagero de colocar o seguinte, na boca do concierge: “quando Karina vem de madrugada, depois de trepar com não sei quantos homens, suas coxas ainda estão quentes e parecem cobertas de uma oleosidade macia de puta”. Vamos ver se o leitor aguenta, prossegue a fala do concierge para Pedro: “parece uma tara, ela me acorda pra transar e fica repetindo tudo o que ouviu de seus clientes. É assim que ela chega ao orgasmo”. – E eu que me foda – reclama.


A embriaguez é também frequente nos textos bem trabalhados de Llosa. E uísque, charutos, ternos de linho, pulseiras de ouro, suor, meias de arrastão, malas de dinheiro e dissimulação, tudo comum em qualquer república latina. No Brasil de “A Pequenez…”, ele mistura bastante disso em carros oficiais novíssimos, deslizando pelas largas avenidas do plano piloto, entrando misteriosos com seus vidros fumês em jardins das mansões do Lago Sul. Não se esquece das festinhas íntimas onde se fofoca de tudo, em torno das milhares de piscinas de Brasília. A certa altura desconfia-se que Vargas viveu em BSB, como dizem os agentes de viagem. Até nisso ele é pertinaz.


Mas o livro ganha força é com as conspirações, traições, jogo do poder, medo, dúvida, risco, ignorância, sobrevivência, luxúria e a desgraça cotidiana dos pobres, argamassa de “A Pequenez do Presidente”. Um romance que conta a história daqueles que, mesmo decepcionados com um presidente pequeno, mantiveram-se fiéis a ele, pateticamente.


Com a palavra o próprio Vargas Llosa, um exerto de “A Pequenez do Presidente”, claro, se este livro existisse: “Condenados a uma existência que nunca está à altura de seus sonhos, os seres humanos tiveram que inventar um subterfúgio para escapar de seu confinamento dentro dos limites do possível: a ficção. Ela lhes permite viver mais e melhor, serem outros sem deixar de serem o que já são, e deslocar-se no espaço e no tempo sem sair de seu lugar nem de sua hora e viver as mais ousadas aventuras do corpo, da mente e das paixões, sem perder o juízo ou trair o coração. O Brasil ainda será inventado, o que se vê na Av. Brasil ou no Bairro da Liberdade, na Savassi e na Rua da Praia, em Porto Alegre, na Eduardo Ribeiro de Manaus e nos milhões de micro-cosmos brasileiros é um processo contínuo. É possível que o Brasil exista de verdade quando o sol parar de explodir energia e inverta a demanda. Neste momento será o Brasil que produzirá hidrogênio, e explodirá energia para o resto do universo. Até lá, a Pequenez do Presidente será a mesma, seja quem for”.



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