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Foto do escritorLuís Peazê

Qualifica OriGIn.PT ou Ana Soeiro, sinónimos, é o que Portugal precisa.


Conversar uma hora é nada para apreender o conteúdo que a Engenheira Agrônoma Ana Soeiro revela a cada assunto via contacto telefónico, com respeito à agroindústria e mais largamente à questão fulcral de proteção da Identidade Produtiva como um todo, em Portugal e no mundo.


Se não seria possível carregar via chamada telefónica a bagagem de conhecimento da entrevistada, felizmente pude encontrar uma www inundada de informação disponível sobre o trabalho de Ana Soeiro, e sua experiência “hands on” como Engenheira Agrônoma, embora ela modestamente se apresse para esclarecer que sua formação não foi no campo e sim nos bancos acadêmicos e organismos oficiais, de estado e da Comunidade Europeia. Entretanto conta, quase por acaso, que trabalhou na produção de tomates em grande escala em empresa sediada no Ribatejo. Não bastasse ela revelar que atendia a minha chamada de uma cama de hospital, enferma a ser tratada de um problema bem delicado que lhe impede de andar, naquela altura. Daí a imposição do título acima invocar um morfema que diz tanto da personalidade que este continente precisa resgatar, quanto do significado do significante mesmo, coisas que se assemelham, sinónimos, que se avizinham, em última análise devem ser protegidas, ao contrário de serem absorvidas por culturas sem personalidade e violadas em sua natureza intrínseca, sob lemas de ocasião tais como palavrinhas que viram, da noite para o dia, “coqueluche”. Em época de pandemia, a escolha do termo não é acidental.


À frente, fundadora, mãe talvez, da organização sem fins lucrativos Qualifica OriGIn.PT que destaca dentre seus principais objetivos o da “Valorização e Qualificação dos Produtos Tradicionais Portugueses, Ana Soeiro contou-me que já em 1974 (- não é erro de digitação) lutava para difundir a ideia e objetivos de sua atual organização, criada em 2008. Como ela mesma resume, seu trabalho no Ministério da Agricultura já não produzia eco e passou a perceber que os seus então colegas “não entendiam nada do assunto, muito menos da importância de valorização de produtos genuínos portugueses”, princípio que já era robusto no âmbito de mercados e organismos oficiais no resto do mundo, o caso das IG ou GI e DOP.

Mas o que vem a ser IG ou GI e DOP e o que isso tem a ver com valorização e impõe proteção?

Imagine um produtor de vinho de Setúbal atribuir ao seu produto a identidade de “Bordeaux”, um pequeno fabricante de queijo de Azambuja rotular seu produto de “Roquefort” e um alemão dizer que fabrica em casa um presunto “Parma”? Na simplória posição de consumidor, que não precisa necessariamente ser uma enciclopédia de cultural geral, e atemporal, você é de imediato o principal prejudicado, enganado, em segundo lugar os produtores daquelas regiões que perdem um bem imaterial inalienável para seus produtos genuínos que, por sua vez, perdem valor de mercado. O assunto é bem mais complexo e amplo, mas apenas estes exemplos provam a importância da indicação da verdadeira origem geográfica do produto que adquire a configuração de um “bem”, agregando valor econômico e benefícios às pessoas estabelecidas naquelas regiões de produção.

Assim, IG é Identidade Geográfica, grafada em inglês GI, e DOP resolve a questão da Denominação de Origem Protegida. Duas credenciais cujas candidaturas merecem um meticuloso e honesto processo de análise, de especialista, mas nem por isso deixa de depender da celeridade, pelo contrário.

Segundo Ana Soeiro, Portugal avançou bastante nessa questão fundamental que impacta todo o espectro econômico, do trabalhador da terra ao consumidor final, mas está longe, atrasado e ela revela toda uma explosão de paixão pelo tema, sem poupar críticas severas aos atuais responsáveis no governo que “atrasam o andamento dos processos de qualificação, e não conhecem o assunto com a profundidade necessária…”. Este observador encontrou em outras fontes, fornecedores de produtos regionais e tradicionais, do Algarve ao Ribatejo, de Lisboa à Beira e ao Norte, um mesmo eco, que não ouvem na comunicação e ações de governo iniciativas práticas e transparentes para estimular a produção de produtos que são conhecidos como portugueses no mundo todo e não se lhe atribuem nenhum empenho verdadeiro dos canais oficiais, em termos práticos.


Ana Soeiro aponta o dedo também para um certo vazio com relação a certos incentivos estruturais, inclusive apoiados pela Comunidade Europeia, pois não conquistam adeptos, porque, por exemplo, segundo ela “produzir um queijo, um enchido e produtos similares demandam muito trabalho”, e o que está em voga é ganhar mais com o menor esforço.


Se por um lado em Portugal Ana Soeiro lamenta não ser mais ouvida e ver inclusive mais colegas competentes merecendo atenção, é convidada com frequência para eventos setoriais no exterior, para compartilhar suas experiências com organismos engajados na Qualificação Identitária e Proteção de Denominações de Origem. Ao Brasil perdeu a conta de vezes que lá foi falar em eventos do INPI, no âmbito do Ministério da Indústria e Comércio, no SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, e universidades de norte a sul.


Numa das vezes em que participou de um colóquio no Brasil, foi surpreendida com um convite, e aceitou, para ser batizada irmã de sangue numa cerimônia indígena de iniciação, conta-me Ana Soeiro com delicadeza e aproveita para voltar ao assunto IG informando que o esforço vem sendo direcionado também para outras áreas, como a do artesanato autóctone.


Recentemente, este ano, foi convidada para dar uma aula virtual para um público substancialmente do estrangeiro, do Brasil e de outros países. É inclusive representante oficial, de Portugal, na Comunidade Europeia, no Movimento Internacional oriGIn – organização não governamental, criada em 2003, para responder ao fenómeno crescente das usurpações que afectam as Indicações Geográficas (IG ou, em terminologia inglesa, GI).


É possível ver a mão de Ana Soeiro na origem de números e manchetes brasileiras do setor agroindustrial tais como:

 

De acordo com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o grão é o produto agrícola brasileiro com o maior número de registros de Indicações Geográficas

 

Brasil tem mais de 90 registros de Indicações Geográficas

30/06/2021|Tags: Indicações Geográficas, INPI Fonte: Sociedade Nacional da Agricultura

 

No web site da Qualifica lê-se: “O oriGIn representa hoje mais de 400 Agrupamentos de Produtores de IGs, provenientes de mais de 40 países. A constituição da secção portuguesa do oriGIn tem como objectivo estruturar ao máximo os Agrupamentos de Produtores gestores de IGs, dando-lhes força e capacidade de luta contra prepotências, fraudes e usurpações bem como defender e promover as IGs portuguesas em todo o mundo, nomeadamente através da rede internacional do oriGIn.”


Sim, estamos em meio a uma crise com características de areia movediça, mas a história está cheia de crises, e, se há alguma coisa que os portugueses tem estado a enfrentar são as crises, desde que o dialeto galego virou a “última flor do lácio, inculta e bela / És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura / A bruta mina entre os cascalhos vela...” Como na poesia de Olavo Bilac. Não por acaso a língua portuguesa como a percebemos hoje por todo lado nasceu – e continua a evoluir – justamente quando Portugal já não podia mais ficar em si mesmo, abriu os braços e pernas para o mar, criou asas, e até esqueceu que isso tudo começou pelos colonos romanos três séculos antes de Cristo (para não ir ao passado mais distante). De lá para cá, oh pá, é um cai e levanta sem parar. Se falta comida, toma-se sopa de azeitona. Falta azeitona, come-se bolachas secas que cabem no bolso das calças, ou aventais… Veio a pandemia, faltou esplanada, pega-se a sopa ao postigo. Não pode ainda, ah, sempre se dá um jeito de matar a fome…


Este último naco de texto é do artigo “Vila Franca de Xira n´oPonto certo, Se Sentir Bem Outra Vez, mas é a forma que encontrei para encerrar esta breve introdução da experiência de Ana Soeiro em assunto tão complexo e tão necessário para Portugal, neste momento em que nunca foi tão importante realçar os “regionais & tradicionais”.

 

ANA SOEIRO – Engenheira Agrónoma

Vice Presidente na empresa Movimento Internacional oriGIn

Chief executive officer na empresa QUALIFICA oriGIn PORTUGAL

Perita/Consultora na empresa Comissão Europeia e WIPO

Secretária geral na empresa Secretária-Geral da QUALIFICA www.qualifica.pt

Trabalhou como Perita em PI - DOP/IGP na empresa ECAPIII-Asean Project on the Protection of Intellectual Property Rights

Estudou Indústrias Agrícolas em Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, Portugal

Andou na escola Liceu Nacional de D. Filipa de Lencastre

Vive em Lisboa

Representante de Portugal no Comité Europeu das IGs (1992-2007). Desenvolveu o sistema de identificação e valorização dos produtos tradicionais portugueses em Portugal e junto da Comissão Europeia. Consultora de Autarquias e Agrupamentos de Produtores na recuperação e valorização dos produtos e produções tradicionais.

A pedido da Comissão Europeia, da OMPI e da EPO já fez missões sobre IGs em 28 países da Europa, Ásia, África e América do Sul.


1 Comment


ts_see
ts_see
Jul 13, 2021

Muito interessante! Renovadas congratulações! 🍷🙂

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