Uma festa da literatura – cultura – que inescapavelmente me remete à Jornada Literária de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul; de 14 a 18 de fevereiro Póvoa de Varzim, cidade de antigos pescadores, poveiros, que se distingue ainda por uma escrita genuina, proto-escrita primitiva, poveira, transforma-se nas Correntes d´Escrita. Há 24 anos a festa se reescreve, e mais uma página começa a ser virada lentamente enquanto resgato Nas Esquinas de Lisboa para destacar o lançamento de Querida Cidade do nobre amigo da Academia Brasileira de Letras, António Tôrres.
Virou hábito, nos últimos capítulos, o Correntes dar um salto de 350 km até Lisboa e fazer um bis, após seu último ato.
No dia 20 de fevereiro, António Tôrres, que participa da primeira mesa do evento, em Póvoa de Varzim, conversa na Livraria Travessa, em Lisboa, ciceroneado por Carlos da Veiga Ferreira, assíduo nas Correntes, história viva da publishing industry contemporânea em Portugal, editor da Teodolito, parte do Grupo Afrontamento, que publica a edição lusitana do mais recente filhote do Tote (não resisti a aliteração), como era conhecido na intimidade este octagenário ícone da literatura brasileira com um rio de história de literatura para contar. Contar e entreter com boa conversa, culta e prosa coloquial como bom baiano, paulista, carioca e lisboeta autor de Um Taxi para Viena D´Áustria e uma dúzia de títulos que por si só inspiram a leitura.
Aliás, costumo saudá-lo no Facebook pelos seus títulos, Um Cão Uivando para a Lua, Essa Terra, a lista é longa, e me prende ao Nobre Sequestrador sempre é o Meu Querido Canibal. Este porque foi na primeira Jornada Literária de Passo Fundo que participei e fiquei sabendo antes das 200 mil pessoas, isso mesmo, 200 mil presentes em 2001 na Jornada Literária de Passo Fundo quem venceria o grande prêmio Zaffari & Bourbon de Literatura. Consegui bisbilhotar com faro de uma foca de mim mesmo (foca era como chamava-se o jornalista iniciante que "ia lá" ver o que estava acontecendo para contar na Redação e instigar ou não os mais calejados) e descobri: seria e foi António Tôrres um dos vencedores.
O anúncio do grande prêmio seria dado sob as lonas de um dos circos que eram montados para as Jornadas, a grana era boa, a repercussão seria estrondosa, o reconhecimento do público seria o manto dourado sobre o vencedor e tudo isso aconteceu, naquele capítulo das Jornadas e António Tôrres seguiu em frente, publicando, até ser recebido na Academia Brasileira de Letras, na Fundação José Saramago, pronto, outra longa lista de homenagens, prêmios e realizações. Ponto final?
– Não, o gajo continuou sua peregrinação literária e passou a ser assíduo nas Correntes, a ponto de, em 2020 o Jornal de Letras (Lisboa) sair com a manchete "Portugal redescobre António Tôrres" e assinala: "a obra de Tôrres é um retrato de um Brasil profundo, resiliente e vibrante de contradições e contraste...". Agora esta, AT comente o delito de repetir delicadeza, cravando mais uma vez o mesmo sintagma, desta vez no feminino, Querida Cidade. Parado, isto é, circulando pelos ambientes literários e culturais, ficou 15 anos sem publicar e de repente vem com esse tomo de 400 e tantas páginas de enredo contagiante pela curiosidade de um personagem de si mesmo. Imagina-se, diz Tôrres, acordar sem saber onde está e por que está ali no alto de um edifício olhando para baixo tudo inundado de água até perder de vista. Perambula pelo seu interior e os interiores onde viveu. Nos faz acreditar que tudo é interior e o exterior apenas nada, ou fica à deriva, mais nada menos do que uma busca contínua. – Pergunto eu, você pensa que está na era digital? Aí vem a atual pós digital que vai acabar em breve e poucos sabem do que se trata e a busca, ou perder-se em si mesmo sem o sabê-lo... Correntes.
FONTE WEB SITE CÂMARA DE PÓVOA DE VARZIM:
O Município da Póvoa de Varzim acolhe, entre os dias 14 e 18 de fevereiro, a 24.ª edição do Correntes d’Escritas. Prestes a completar um quarto de século, o Correntes, como habitualmente, receberá escritores que já participaram no evento e que criaram laços na cidade, ao mesmo tempo que acolherá, de braços abertos, aqueles que cá desembarcarão pela primeira vez.
O Encontro de Escritores de Expressão Ibérica, considerado o maior festival de literatura do país, primou sempre por dar especial ênfase aos afetos e, este ano, não será diferente. Serão evocados grandes vultos da literatura escrita nas línguas ibéricas, como Ana Luísa Amaral, cuja obra poética servirá de mote às mesas, Nélida Piñon, que será objeto de uma conversa, ou Luis Sepúlveda, através do lançamento de um livro de poesia de sua autoria, inédito. Numa altura em que a Póvoa de Varzim integra as comemorações do centenário de Agustina Bessa-Luís, essa figura maior da literatura portuguesa será celebrada nos espaços comerciais da cidade, que, como vem sendo hábito, se associam ao evento. Nesta edição será ainda homenageado Manuel Rui, a quem é dedicada a 22.ª edição da Revista Correntes d’Escritas.
O escritor angolano, de 81 anos, é presença assídua e figura incontornável do encontro desde a sua génese. O lançamento da revista decorrerá, como habitualmente, na Cerimónia de Abertura, a 15 de fevereiro, no Casino da Póvoa, onde é feito o anúncio dos vencedores dos prémios literários. Neste mesmo dia, no Cine-Teatro Garrett, terá lugar a Conferência de Abertura, que será proferida por Manuel Sobrinho Simões, professor catedrático e diretor do Departamento de Patologia e Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, subordinada ao tema “Ciência e Cultura”.
O Correntes d’Escritas celebra ininterruptamente, desde o ano 2000, a festa do livro e da leitura, de e para os leitores. A participação em todas as iniciativas que integram o programa é totalmente livre, quer seja nas Mesas, nos lançamentos de livros, nas conversas, nas exposições, no cinema ou nos espetáculos musicais.
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